Uma coisa é certa: as crises sempre podem ser
vistas como oportunidades para a inovação.
Nesse cenário, no qual observa-se a diminuição de
fontes de recursos para o terceiro setor por diferentes razões, desde crise
econômica até a saída de grandes fundações do país, vê-se também o surgimento
de vários braços de negócios socioambientais de impacto criados pelas OSCs a partir da capacidade criativa e
empreendedora. Esses visam assegurar a sustentabilidade financeira dessas
organizações por meio de serviços e de produtos voltados para o mercado.
Identificar esses ativos dentro das organizações
sem perder de vista a missão das mesmas, seus recursos humanos e as
necessidades do mercado torna-se um ponto chave para a sustentabilidade do
terceiro setor.
A pesquisa “Lições da prática: reflexões sobre os
elos entre organizações da sociedade civil e negócios de impacto
socioambientais”, produzido pela Ashoka, pelo ICE (Instituto de Cidadania
Empresarial) e pelo CEATS-USP (Centro de Empreendedorismo Social da Universidade
de São Paulo), lançada nesta terça-feira (19), aponta que há uma tendência na
criação de novos formatos organizacionais híbridos, que antes eram vistos como
incompatíveis por buscar ao mesmo tempo a geração de recursos financeiros e de
valor socioambiental.
O estudo analisou os dados levantados a partir de
entrevistas, workshops e webinar com empreendedores sociais e gestores de 29
OSCs de diferentes regiões do Brasil.
A amostra revela que vivemos uma época de
reinvenção na qual a inteligência social pode e deve, não apenas trazer
soluções para os desafios para a construção de um mundo melhor para todas e
para todos, mas também reverter em recursos financeiros para que as OSCs sejam
capazes de manter e ampliar sua atuação.
São vários os caminhos possíveis. O estudo
identificou quatro deles, não excludentes entre si: a mudança no modelo de
atuação, como a promovida pelo ISES (Instituto de Socioeconomia Solidária),
que foi criado em 2004 com o objetivo de fomentar negócios de base comunitária
na periferia paulistana e hoje atua como provedor de soluções socioambientais,
utilizando uma lógica de ação B2B.
A criação de unidades de negócios, como
a Gastromotiva, integrante da Rede Folha de Empreendedores,
que utiliza seu espaço de formação e empregabilidade de jovens em gastronomia
para gerar renda para a organização por meio da oferta de almoços para
executivos e eventos corporativos.
A criação de uma empresa, como fez o CIES (Centro de Integração de Educação
e Saúde), também integrante da Rede Folha da Empreendedores,
ao criar a Fleximedical, que é responsável pela construção e logística de
unidades móveis em saúde enquanto o CIES tem foco na operacionalização dos
atendimentos à população.
E a prestação de serviços, modelo adotado
pelo IPÊ (Instituto de Pesquisas
Ecológicas), que desde 2002 mantém uma unidade de negócios sustentáveis com equipe
autônoma voltada a garantir a sustentabilidade do instituto no longo prazo e é
parte da Rede Folha de Empreendedores.
O processo de adaptação das tecnologias sociais ao
mercado, no entanto, deve levar em consideração alguns desafios. A terminologia
do terceiro setor precisa ser alinhada com a do mundo dos negócios.
Além disso, questões de mercado como concorrência,
demanda existente, formas de divulgação, recursos humanos e financeiros
envolvidos devem fazer parte de um planejamento consistente e abrangente.
Para criar esses novos modelos e implementá-los,
também é necessário criar equipes com competências híbridas, que consigam
formatar produtos e serviços para o mercado, gerando retorno financeiro, mas
que não percam de foco o impacto social.
Normalmente faltam investimentos, como capital
semente, e a resistência do mercado de remunerar a prestação de serviços e os
produtos criados por OSCs de maneira competitiva. Mas as evidências apontam que
modelos híbridos podem representar uma nova maneira de pensar a
sustentabilidade financeira e autonomia do terceiro setor.
A missão institucional da organização deve ser o
fato norteador das ações e das inovações. A lógica de mercado é uma
oportunidade para que as OSCs expandam seu impacto, demonstrando que é possível
atuar em um contexto competitivo com valores e princípios voltados para a
colaboração intersetorial e transformação positiva.
É também uma maneira de demonstrar às empresas que
é possível atuar com responsabilidade socioambiental.