quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Limite legal para cargos em confiança

A confiança, como principal elemento caracterizador do cargo em comissão, é definida por Carmen Lúcia Antunes Rocha:

A confiança haverá de ser considerada em relação às condições de qualificação pessoal e à vinculação do agente escolhido com a função a ser desempenhada. Não é possível, juridicamente, tomar como mera função, sem correspondente no quadro administrativo, um conjunto de atribuições que deve ser instituído como inerente a um cargo público. Nem se há de considerar de confiança o que precisa ser tratado e provido segundo exigências e critérios profissionais insuperáveis. Nem se há de considerar de confiança pessoal condições personalíssimas do agente eleito, como parentesco, etc., pois tanto caracterizaria mero nepotismo, proibido constitucional e infraconstitucionalmente, o que vem sendo cumprido, aliás, com rigor pelo Poder Judiciário.”

Deste acórdão, extrai-se manifestação do Ministro Gilmar Mendes, no sentido de que:

“A exigência constitucional do concurso público (CF, 37, II) não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza, conforme a consolidada jurisprudência deste Tribunal: ADI (MC) 1.269, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 25.8.1995; e ADI (MC) 1.141, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 4.11.1994.”

Os acórdãos do Supremo Tribunal Federal oferecem valiosas lições acerca das características e, em especial, das vedações às condutas abusivas em matéria de cargos em comissão. Merecem destaques as manifestações exaradas pelo STF na análise do RE 365.368, de relatoria do Min. Carlos Velloso, datado de 29/11/2005. Referido acórdão abordava o pedido de inconstitucionalidade da lei criadora de cargos em comissão da Câmara de Vereadores de Blumenau, sob alegação de afronta ao princípio da proporcionalidade, traduzido na discrepância entre o número de cargos efetivos e em comissão.

A questão fundamental centrou-se na existência de um total de 67 servidores na Câmara, sendo destes, 42 comissionados e 25 efetivos.
Baseado nesses números, o relator, acolhendo o parecer exarado pela Procuradoria-Geral da República, admitiu a existência de ofensa aos princípios da moralidade e às normas que regulam o preenchimento de cargos públicos.

Do acórdão extraem-se os seguintes trechos:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a exigência do concurso público para a investidura em cargo público deve ser interpretada com o máximo rigor. Nesse contexto, a criação de cargo em comissão, em que não se verifica o vínculo de confiança necessário e exigido a permitir a livre nomeação e exoneração, de modo a burlar, portanto, o requisito de concurso público, previsto no art. 37, inciso II, do Texto Maior, não merece persistir.
Ademais, forçoso, ainda, reconhecer a ofensa ao princípio da moralidade, eis que, dos 67 funcionários da Câmara de Vereadores de Blumenau, 42 são de livre nomeação, e apenas 25 são cargos de provimento efetivo.

A professora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO ao discorrer sobre o princípio da moralidade do ato administrativo afirma que é necessário exigir “a proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos”.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de interpretar com o maior rigor a disposição constitucional que exige concurso público para ingresso no serviço público, certo que cargos em comissão, para cujo ingresso não se exige concurso público, devem constituir exceção. No caso, dos 67 funcionários da Câmara de Vereadores de Blumenau, 42 (quarenta e dois) são de livre nomeação e apenas 25 (vinte e cinco) de provimento efetivo. Do exposto, nego seguimento ao recurso.

No julgamento do agravo interno interposto contra a decisão denegatória do recurso extraordinário (RE-AgR 365368), o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, acrescentou argumentos à inconstitucionalidade do ato administrativo, verbis:
Bem examinada a questão, e sem embargo dos ponderáveis argumentos expendidos pelos agravantes, verifica-se que a decisão não merece reforma.
Embora não caiba ao Poder Judiciário apreciar o mérito dos atos administrativos, o exame de sua discricionariedade é possível para a verificação de sua regularidade em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam.
[...]
Analisando-se os argumentos supracitados, mister anotar a disparidade entre a quantidade de atribuições a cargo dos servidores efetivos da Câmara Municipal e as atividades típica.

Mas é essencial que a lei instituidora desses cargos traga em seu bojo elementos que permitam sua identificação, como bem salienta Vanice Lírio do Valle:

“Do instrumento legislativo de criação dos cargos em comissão, portanto, é de se exigir a descrição das atribuições – ainda que em seu caráter genérico, tendo em contato só o seu núcleo fundamental; mas de forma suficiente a permitir a aferição da existência das funções de direção, chefia e assessoramento que justifiquem a predominância do elemento fiduciário – e ainda a vinculação desses mesmos cargos a determinada estrutura da Administração, sem o que igualmente restaria comprometida a efetividade do controle no que toca à proporcionalidade da decisão legislativa.”

Conclui-se que deverá haver uma espécie de nexo causal entre o número de cargos efetivos, preenchidos por servidores concursados e o número de cargos comissionados, além da precípua observância dos ditames constitucionais de que estes últimos servem exclusivamente para chefia direção e assessoramento.


Ricardo Bulgari
05/01/2011